Wednesday, April 9, 2008

Publicado no Observatório do Direito à Comunicação

Governo troca banda larga nas escolas por política de inclusão digital
mais ampla
Gustavo Gindre, especial para o Observatório do Direito à Comunicação
09.04.2008

No dia 7 de abril foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto
Presidencial 6424 que determina uma mudança nos contratos de concessão
com as operadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC):
Telefonica, Oi e Brasil Telecom.

Os contratos, assinados em 2005, obrigavam que as empresas instalassem
Postos de Serviço Telefônico (PSTs) em cada cidade brasileira. Menos
de três anos depois, chegou-se à conclusão que aquelas obrigações
estavam erradas e o próprio governo sugeriu a mudança, sem contudo,
assumir publicamente o equívoco cometido em 2005.

Pelas novas regras, acordadas com as operadoras, estas deixam de estar
obrigadas a instalar os PSTs (exceto no caso de cooperativas rurais),
mas passam a ter que colocar seus backhauls em todas as sedes
municipais brasileiras.

Se a banda larga pudesse ser comparada com árvores, os backbones que
as operadoras possuem seriam os troncos, o backhaul os galhos e cada
cidade brasileira uma folha. Sem o backhaul, não é possível levar a
seiva que vem do tronco para cada folha. Ou seja, o backhaul interliga
o backbone da operadora às cidades. No Brasil, mais de 2000 municípios
não têm backhaul e, portanto, não podem se conectar à banda larga.

A proposta do governo é digna de mérito, porque, no século XXI, é
muito mais importante garantir a universalização da banda larga do que
do telefone fixo. Contudo, este adendo aos contratos de 2005 ainda
apresenta problemas. São pelo menos dois.

As velocidades mínimas exigidas para cada backhaul são muito baixas.
Por exemplo, uma imaginária cidade com 70.000 habitantes teria,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
torno de 20.000 residências, mas contaria com um backhaul de apenas 64
Mbps. Ou seja, se apenas 1.000 casas tiverem dinheiro para contratar o
serviço de banda larga oferecido pela tele, ainda haveriam 19.000
excluídas e a velocidade máxima disponível para cada residência
conectada à suposta banda larga seria de apenas 64 Kbps, ou igual
àquela obtida por uma linha telefônica comum.

E não há a obrigação para que a operadora faça unbundling em seu
backhaul. Por detrás desse palavrório técnico, tal obrigação significa
que a operadora teria que vender parte da capacidade instalada do seu
backhaul a qualquer provedor interessado em competir com a própria
tele. E a preços não discriminatórios, regulados pela Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel). Essa seria a única forma de estimular a
concorrência. Da forma como ficou, o Decreto permite que os backhauls
sejam usados exclusivamente pelos próprios serviços de banda larga das
operadoras (BrTurbo, Velox e Speedy), matando qualquer possibilidade
de concorrência local.

Mas, principalmente, a falta do unbundling dificulta em muito o
surgimento de experiências de redes comunitárias, organizadas pelas
prefeituras e/ou pela sociedade civil, usando tecnologias sem fio, e
que levam a Internet gratuíta à prédios públicos (como bibliotecas e
telecentros), mas também às próprias casas, o que já fazem Sud Minucci
(SP) e Duas Barras (RJ).

Em resumo, ainda que amplie o alcance da banda larga, o Decreto
Presidencial 6424 está longe de garantir a tão sonhada inclusão
digital de nossa população e tem como efeito colateral o
aprofundamento do monopólio regional exercido por cada tele em sua
área de concessão.

O acordo subterrâneo

A mudança dos contratos de concessão teve que contar com a
concordância das teles. Caso contrário, ficaria valendo a obrigação
inicial dos PSTs. Para convencer as teles, um estudo da Anatel
comprovou que o custo de instalação dos backhauls nos municípios que
ainda não o possuem seria o mesmo da instalação dos PSTs. Seria trocar
seis por meia dúzia, sem onerar o caixa destas empresas. E é óbvio que
as teles perceberam, também, que a futura prestação de serviços de
banda larga lhes trará muito mais receita do que a administração de
postos telefônicos.

Tudo certo, eis que surge um novo elemento. Além da troca dos PSTs
pelos backhauls, o governo negociou um segundo acordo com as teles,
que prevê a instalação de conexão de 1 Mbps em cada uma das 56 mil
escolas públicas urbanas brasileiras, sem custos para os governos
(federal, estaduais e municipais) pelo menos até 2025 (quando vencem
os atuais contratos de concessão). Até 2010 todas essas escolas
deverão estar com a conexão funcionando.

Se as teles brigaram tanto para ter certeza que a obrigação dos
backhauls não lhes custaria nada a mais do que a antiga obrigação dos
PSTs, se não queriam desembolsar nada além do que fora previsto
inicialmente, por que aceitaram tão prontamente este novo acordo, que
foi anunciado no dia 8 de abril pelo prsidente Lula? Nada as obrigava
a este novo acordo. Por que concordaram? Puro patriotismo?

Coincidência ou não, ao mesmo tempo em que começacam as negociações em
torno deste segundo acordo, saía de cena o debate no interior do
governo sobre o "backbone estatal". Essa proposta consistia em dois
movimentos. Primeiro, unificar a gestão dos cerca de 40 mil Km de
fibra óptica que o governo federal já possui, seja através das
estatais ou da massa falida da Eletronet. Em segundo lugar, construir
sua própria rede de backhaul, levando a conexão deste backbone estatal
a cada município brasileiro. Com isso, o governo estaria em condições
de ofertar às cidades (prefeituras e/ou sociedade civil) a
possibilidade de construirem redes locais que posteriormente seriam
conectadas à infra-estrutura do governo federal. Sem fins lucrativos,
este backbone estatal poderia cobrar das cidades apenas o necessário
para se manter e crescer (o que é bem menos do que cobram atualmente
as teles). De inicío, já seria possível prever que as prefeituras e
governos estaduais poderiam usar os serviços de telefonia por IP desta
rede, deixando de ser usuárias das operadoras privadas. Uma economia
de muitos milhões para os cofres públicos. Mas, também seria possível
construir redes comunitárias, que levassem Internet banda larga,
telefonia por IP, webrádio, IPTV e muito mais para todas as
comunidades hoje excluídas das estratégias de mercado das teles. Uma
ligação local, feita de um telefone conectado a esta rede comunitária
para outro igualmente conectado teria preço igual a zero!

Mas, o acordo subterrâneo com as teles foi além. Não bastava apenas
garantir que o governo abriria mão de usar sua própria infra-estrutura
para fazer inclusão digital. As teles também ganharam o direito de
explorar sozinhas a rede que irão construir para chegarem até as
escolas. Essa rede passará na porta de milhares de residência e
obviamente as teles a usarão para vender seus serviços de banda larga.
A proposta do governo não obriga a que as teles tenham que partilhar
essa rede com os provedores locais (o tal unbundling).

Com backhauls e redes de "última milha" para uso exclusivo, as teles
acabaram de ganhar o monopólio da banda larga em todo o país.

Se tudo isso for mais do que uma simples coincidência, quando o
presidente da República inaugurar a primeira escola conectada em banda
larga através deste segundo acordo com as operadoras, o que pouca
gente saberá é que esse evento festivo também será o funeral de uma
idéia muito mais inclusiva. Por esta linha de raciocínio, o governo
negociou a instalação da banda larga nas escolas em troca do abandono
da idéia de um backbone estatal e da morte dos pequenos provedores
locais.

Para as teles, as 56 mil escolas conectadas ainda saíram barato...

** Gustavo Gindre é pesquisador em políticas de comunicação, membro
eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil e membro do Intervozes -
Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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